tag:blogger.com,1999:blog-92029649106635949832023-11-15T11:11:42.453-08:00Literaturas Africanas de Língua PortuguesaVivian Diashttp://www.blogger.com/profile/00704017084977735143noreply@blogger.comBlogger2125tag:blogger.com,1999:blog-9202964910663594983.post-82044465974406922692010-07-01T03:16:00.000-07:002010-07-01T03:16:34.712-07:00A MENINA VITÓRIA de ARNALDO SANTOS (fragmento)<div style="text-align: justify;">Transferiram-no no meio do ano letivo para o colégio do Pucha Beatas, por causa dos piolhos da Escola 8 e da prosódia, em que os professores o achavam muito fraco.</div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O Sr. Sílvio Marques, embora pouco exigente consigo em relação à pronúncia – trocava amiúde os vv pelos bb -, era no entanto muito cuidadoso a fechar as vogais. Ralhava severamente o Gigi sempre que lhe ouvisse algum desconchavo, ou então abria-lhe muito os olhos, o que significava o mesmo. Também os amigos dele, aos domingos, debaixo da mulembeira e entre uma ou outra jogada de sueca, comentavam as incorreções do Gigi. E sibilavam (alguns eram da Beira Alta), lamentando que a pronúncia do garoto se estragava, que era preciso afasta-lo da companhia dos criados e dos colegas dos musseques. Todos concordavam que era pena, porque ele já se podia considerar como um branco, embora D. Angelina fosse mulata, mas enfim... era senhora de princípios. O Sr. Sílvio ouvia-os atento, w considerava conscienciosamente a crítica, porque afinal se tratava do futuro do seu secretário, como dizia referindo-se ao filho.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Assim, embora com sacrifício, porque o colégio era caro, a transferência teve que se fazer. Mas valia a pena, anunciara a mão às vizinhas. “Aqueles meninos muito arranjadinhos, levados pela mão dos criados, e alguns até de carro...! Que diferença!” – exclamava, não escondendo a vaidade, no dia em que o levou ao colégio.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Gigi ganhou roupa nova, uma sacola bordada e muitos conselhos de D. Angelina, que se afligia com a sua aparência. Mas da mudança mesmo o que o Gigi mais gostou foi dos passeios na moto com carro lateral, em que o pai o levava ao colégio. O assento era tão baixo que, pelo trajeto, ele podia apanhar pequenos tufos de capim. Isso passou a ser a sua única alegria, porque o Gigi estranhou o colégio.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A professora da 3ª classe, a menina Vitória, era uma mulatinha fresca e muito empoada, que tinha tirado o curso na Metrópole. /Renovava o pó-de-arroz nas faces sempre que tivesse um momento livre, e durante as aulas gostava de mergulhar os dedos nos cabelos alourados e sedosos de uns meninos que se sentavam nas primeiras filas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Olhou-o com desconfiança e depois do primeiro exame mandou-o para uma carteira do fundo da aula, junto de um menino com cara de puco, a quem chamavam cafuzo, por ser muito escuro. Mas o menino cafuzo chamava-se Matoso, o que, de início, pareceu ao Gigi insuficiente para justificar o seu mutismo. Vergado na cadeira, não tirava os olhos do livro, nem mesmo quando a menina Vitória se referia a ele, quase sempre com desprezo, ao recriminar outro aluno. “Pareces o Matoso a falar...”, “Sujas a bata como o Matoso...”, “Cheiras a Matoso...” – e ele guardava-se cada vez mais à carteira, transido por aqueles comentários impiedosos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Fora também transferido de Escola 8 e, mesmo no dia da apresentação, a menina Vitória não escondera a sua má impressão, com alusões veladas à sua bata de brim grosso. Porém o seu azedume cresceu quando, tempos depois, o Matoso lhe responde distraidamente em quimbundo. “O quê, julgas que eu sou da tua laia...!?” Daí por diante o seu nome era jogado pela aula com crueza, criando um símbolo maldito, que o Gigi mais tarde, atemorizado, reconheceu facilmente. Era uma imagem familiar. Estava muito perto de si e dos seus companheiros do Kinaxixe. Mas por que ele irritava tanto a professora e lhe merecia aquela troça? O Gigi retraiu-se.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Olhava os colegas de soslaio, inseguro. Eles iriam troçar também dele, da sua bata modesta de brim, dos seus sapatos puídos, quase rotos? E não respondia quando da menina Vitória o chamava à lição, receando um despropósito que o identificasse com o Matoso. “Vêm para aqui neste estado e depois querem milagres!” – suspirava a professora. Era com certeza do método de ensino da Escola 8, ou da sua influência perniciosa. Mas tolerava-o lá no fundo da aula. E o Gigi diminuía-se ainda mais para não se tornar notado, esforçando-se num mimetismo impotente por imitar os gestos dos meninos da baixa. Tenho que ser como eles, refletia no recreio, afastando-se dos alunos da 4ª classe, que eram, na maioria, os seus companheiros de vadiação do Kinaxixe. Ficava então a jogar os estames dos botões que caíam das acácias, e reprimia a vontade de trepar ao cima delas, para colher os botões compridos de estames longos e curvos, que venciam todos os outros. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nas suas redações vagueava então tímido sobre as coisas, com medo de poisar nelas, decorava nomes das árvores, das aves, dos jogos descritos no seu livro de leitura. Procurava esquecer o colorido vivo das penas dos maracachões, dos gungos, dos rabos-de-junco que ele perseguia na floresta e cujo canto escutava. Imitava passivamente a prosa certinha do gosto da menina Vitória. Esvaziava-a das pequeninas realidades insignificantes que ele vivia, das suas emocionantes experiências de menino livre, agora proibidas e imprestáveis.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Quando o Matoso lia submisso a sua redação, onde pintassilgos gorjeavam e debicavam cerejas amarelas (o Matoso explicara-lhe num recreio que as cerejas eram as gajajas do puto), intimamente o Gigi perguntava-se onde é que ele tinha descoberto tudo aquilo. “Cada vez pior!...” – rezingava a menina Vitória, que não se compadecia com os enganos. E continuava a erguer à volta do Matoso, implacavelmente, um círculo intransponível de desprezo, onde ele já não se debatia, nem chorava. Apenas no rosto as suas feições endureciam sob a pressão dos maxilares contraídos. Exasperava-a.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Tenho que anda pouco com ele, pensava preocupado o Gigi. A professora pode virar-se contra mim. E fugia, afastava-se também da sua companhia, deixando-o abatido, solitário, dentro das suas ruínas. Tinha medo de enfrenta-la. Precisava de esconder o segredo ilegítimo do seu passado igual. Precisava de o dissimular para que não fosse destruído. “Mulatona... nem cabrita é...” – insultava-a furioso à tardinha quando regressava a casa. E até a noite, descalço, gritava pelo bairro junto dos seus camaradas do Kinaxixe a sua juventude ameaçada, correndo, bassulando, assaltando as quitandeiras de quitetas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Restos dos maus hábitos...” – lamentava-se D. Angelina. A gradual sisudez começava a animá-la e por isso não compreendia aquelas súbitas irrupções de revolta.. “mas... o colégio leva-o à ordem! – confiava. Realmente a menina Vitória, como uma jibóia enlaçada em cima da árvore, vigiava-lhe os mais pequenos movimentos. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">- Higino, a tua redação?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O Gigi naquele dia estava contente com o seu trabalho. O tema era sobre uma figura importante do governo e ele não esquecera os adjetivos mais expressivos que na véspera a professora tinha proferido.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Embora confiante, o Gigi estremeceu ao ouvir o seu nome. Que diria ela, pensava agitado, depois de lhe ter estendido timidamente o caderno. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">- Com que então pretender brincar comigo...? – ela falava-lhe friamente...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Gigi empalideceu. Alguma coisa tinha falhado. Mas o que é que poderia ter sido? Estavam lá todos os louvores pelas pontes e estradas que ele construíra. Ter-se-ia esquecido de algum fato importante? Olhou o caderno que ela lhe devolvera, aberto nas mãos, mas não distinguiu as letras subitamente misturadas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A acusação, porém, veio sem tardar, inexorável, imprevisível. Como é que ele se atrevera a trata-lo por tu! Como é que ele tivera o arrojo de o nomear com um simples artigo definido!?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">- Ouve lá... tu julgas que ele anda sujo e roto como tu, e como funje na sanzala...?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">- Não... não... não é... – gemia o Gigi, desnorteado, tentando estancar o fluxo daquelas insinuações que ele temia.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">De repente exibia-se aos olhos dos colegas deformado como uma caricatura, o compromisso irrecusável que circulava no seu sangue e que até ali inutilmente escondera. Uma vaga de calor inundou-lhe o rosto e invadiu-o levemente uma sensação entorpecente. Os seus ombros encurvaram-se. Sentiu-se muito fraco. Já nada tinha que disfarçar, mas estava triste perante a luta que pressentia. Mas porque, porque que ela, logo ela, o queria humilhar? Ela que tinha carapinha. Ela que era filha de uma negra, pensou com furor. Os seus músculos crisparam-se e o caderno começou a amarrotar-se-lhe nas mãos. Depois mal sentiu a violência da palmatória. Só nas faces a queimadura viva da humilhação, só nos ombros a responsabilidade da sua condição que ele não tinha culpa, mas que queria aceitar mesmo dolorosa como as pulsações que lhe ressoavam nas palmas das mãos inchadas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">E na carteira chorou. Chorou de raiva, da dor que lhe nascia da piedade dos colegas e da vergonha de não poder esconder a sua angústia, com os olhos secos, enxutos, e orgulhosamente raiados de sangue, como os do Matoso.</div><br />
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(Kinaxixe e outras prosas)Vivian Diashttp://www.blogger.com/profile/00704017084977735143noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-9202964910663594983.post-45659779426347600382010-06-11T13:43:00.000-07:002010-06-11T13:45:10.443-07:00IV Encontro de Professores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa<div align="justify">O Encontro será realizado entre os dias 8 e 11 de novembro de 2010, na cidade de Ouro Preto - MG. Através de uma parceria entre a PUC Minas, a UFMG e a UFOP, o evento desse ano dá continuidade aos encontros anteriormente realizados na UFF (1991), USP (2003) e UFRJ (2007).<br />Vocês podem, clicando no link abaixo, acessar a página do evento, na qual obterão todas as informações sobre o Encontro, como a programação, as linhas temáticas, procedimentos para a inscrição de trabalhos, lista de minicursos, valores, etc.:<br /><a href="http://www.pucminas.br/literaturas_africanas/index_padrao.php">http://www.pucminas.br/literaturas_africanas/index_padrao.php</a></div>Vivian Diashttp://www.blogger.com/profile/00704017084977735143noreply@blogger.com1